As tarifas voltaram com força total. Em pleno 2025, um novo pacote anunciado pelos Estados Unidos reacende as tensões comerciais com dezenas de países ao redor do mundo; da Europa à África, da Ásia à América Latina. Mas entre todos os atingidos, o Japão ocupa um lugar particularmente vulnerável. O país, que por décadas foi considerado um aliado estratégico e comercial dos EUA, agora se vê no centro de uma tempestade perfeita: queda nas exportações, pressão cambial, dificuldade de negociação e uma política monetária em xeque.
Neste artigo, vamos destrinchar por que o Japão está sendo um dos mais afetados pelas novas tarifas americanas, como isso impacta sua economia, e por que tudo isso importa para quem investe em mercados globais, inclusive no Brasil.
Tarifas nos Automóveis: O Golpe na Alma da Economia Japonesa
As exportações japonesas, já pressionadas por uma economia global mais fraca, despencaram 12% somente no mês de maio — a maior queda registrada em anos. Em abril, a queda já havia sido de 4,5%, após a imposição inicial de tarifas de 25% sobre automóveis.
Essa não é uma questão apenas de política externa. Carros japoneses como Toyota, Honda e Lexus são extremamente populares nos Estados Unidos. Com as tarifas, os fabricantes japoneses foram forçados a cortar preços para manter sua competitividade, absorvendo o impacto ao invés de repassar o custo ao consumidor americano. Isso tem pressionado as margens de lucro e criado um ambiente de incerteza para um dos setores mais importantes da economia japonesa.
Uma Política Externa Desconectada da Realidade
O que agrava a situação do Japão é a falta de coordenação estratégica na negociação com os Estados Unidos. Weston Nakamura, analista especializado no Japão,
destacou como o primeiro-ministro japonês Shigeru Shiba falhou em montar uma equipe técnica capacitada para lidar com as tratativas comerciais. O Japão, que deveria ser um dos primeiros países a negociar exceções ou novos termos, acabou ficando no fim da fila.
O resultado foi a divulgação de uma carta formal enviada por Donald Trump ao governo japonês. Nela, os EUA confirmam que a partir de 1º de agosto de 2025, todos os produtos japoneses serão tarifados em 25%, com a possibilidade de elevação dessa alíquota caso o Japão imponha medidas retaliatórias ou tente burlar as tarifas via países intermediários (o chamado transshipment).
O tom da carta é claro: se quiser evitar as tarifas, o Japão deve trazer sua produção para dentro dos Estados Unidos. O que antes era uma parceria comercial agora virou um ultimato.
O Yen, os JGBs e o Risco Sistêmico
A fragilidade da posição japonesa também se reflete nos mercados. O iene tem flutuado perto dos 150 por dólar, e os títulos públicos japoneses de 30 anos (JGBs) seguem em tendência de alta nos rendimentos. Isso é especialmente problemático, pois o Banco do Japão já detém mais de 50% de todos os JGBs emitidos. Continuar controlando a curva de juros comprando mais títulos pode destruir a liquidez do mercado e eliminar qualquer possibilidade de price discovery — ou seja, o mercado perde a capacidade de definir preços justos.
Esse tipo de disfunção já preocupa analistas há meses. O Japão está chegando no limite de sua capacidade de manter sua política monetária ultraexpansionista, enquanto lida com os impactos externos de uma guerra comercial.
Por Que Isso Importa Para o Resto do Mundo
Os efeitos dessas tarifas não ficam restritos ao Japão. Como o país é um dos maiores detentores de títulos da dívida americana e tem presença relevante no S&P 500 por meio de investimentos institucionais, qualquer instabilidade japonesa pode afetar diretamente a liquidez global.
Mais do que isso, o cenário atual reforça uma tendência que já vem se consolidando: a desglobalização. As tarifas, antes vistas como instrumento de negociação pontual, estão virando uma política estrutural. O comércio internacional está deixando de ser neutro e cooperativo para se tornar uma arena de disputa entre blocos.
O Brasil, por exemplo, pode sentir os efeitos via câmbio, investimentos, e mudanças nos fluxos de capital global. Se o Japão for obrigado a repatriar recursos ou reduzir sua exposição a mercados externos, isso pode gerar volatilidade em ativos brasileiros.
O Fim da Era das Tarifas Temporárias
A carta de Trump ao Japão mostra que as tarifas não são mais apenas uma ferramenta de pressão momentânea, mas um instrumento de política econômica com objetivos de longo prazo. A proposta de isenção para empresas que fabricarem diretamente em solo americano reforça a ideia de reindustrialização forçada e controle sobre as cadeias de suprimento.
Em outras palavras, o mundo caminha para um cenário onde relações comerciais serão pautadas por acordos bilaterais, localização da produção e alinhamento geopolítico, e não mais por eficiência global ou abertura de mercado.
Conclusão: Um Novo Capítulo da Era Pós-Globalização
O Japão, outrora símbolo de eficiência industrial e parceria estratégica com os Estados Unidos, se vê agora num dilema. Ceder à pressão americana ou resistir com risco de sofrer consequências severas.
Para os investidores, esse episódio é mais um sinal de que a lógica do comércio e da liquidez internacional está mudando. O que antes era um sistema automatizado, previsível e globalizado agora depende cada vez mais de decisões políticas, retaliações e acordos de bastidores.
É o começo de uma nova era. E o Japão está bem no meio dela.
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