Esse talvez seja um dos assuntos mais importantes — e mais invisíveis — de todo o sistema financeiro global. Invisível porque ninguém fala sobre ele fora de círculos muito específicos. E importante porque sem ele, nada funciona. Nada circula. Nada se conecta. Estou falando do “colateral” (caução universal do sistema monetário do dólar).
Mais do que isso, do colateral impecável (pristine collateral) — aquele ativo que, mesmo não aparecendo na maior parte das análises, é o que garante a confiança entre as instituições que movimentam trilhões de dólares diariamente, em operações que a maioria das pessoas nem sabe que existem.
A grande sacada é que a engrenagem da liquidez global não é movida apenas por dólar. O dólar é importante, sim, mas ele é apenas metade do circuito. A outra metade, muitas vezes ignorada, é formada pelos títulos do Tesouro americano (bonds). Eles são o contrapeso, o outro polo, a “antimatéria” desse sistema.
Quem melhor explica isso — mesmo sem a didática mais acessível — é o Jeff Snider (Eurodollar.university) . Ele trouxe uma sequência de raciocínio sobre como o sistema eurodólar evoluiu e como, aos poucos, o sistema construiu sua própria estrutura de confiança sem depender diretamente de governos. Eu quero aqui trazer essa lógica, ampliá-la e reorganizá-la, com uma linguagem mais clara, mas sem perder a densidade.
Antes do colapso do padrão-ouro em 1971, o sistema já havia evoluído
Pra entender onde estamos, é preciso lembrar como tudo começou. Em Bretton Woods, o mundo decidiu que o dólar seria a âncora das moedas globais, e o ouro seria o lastro do dólar. Um sistema baseado na confiança de que os Estados Unidos manteriam reservas de ouro suficientes para respaldar os dólares em circulação.
https://www.bloomberg.com/opinion/articles/2024-05-13/global-economic-cooperation-remains-the-key-to-national-prosperity
Por um tempo, isso funcionou. Mas o crescimento do comércio internacional, o avanço industrial e a complexidade da economia global começaram a exigir cada vez mais dólares. E o ouro simplesmente não conseguia acompanhar. O sistema foi ficando insustentável. O paradoxo de Triffin se impôs: para o mundo ter liquidez, os Estados Unidos precisavam emitir mais dólares do que tinham ouro para garantir.
Na prática, o colapso começou muito antes de 1971. Nixon apenas oficializou o fim de algo que já havia se esgotado.
O que é fascinante é que o mercado não esperou por uma nova solução vinda de cima. Ele mesmo criou uma resposta. Antes do colapso formal, já existia uma rede descentralizada de bancos fora dos EUA transacionando dólares entre si, sem passar pelo Federal Reserve, nem pelo sistema bancário doméstico americano. Esse é o sistema eurodólar.