O preço do Bitcoin voltou às máximas recentemente, mas o que talvez passe despercebido por muitos é que seu movimento vai além de especulação. Ele está cada vez mais se consolidando como um verdadeiro barômetro da liquidez global. Isso não quer dizer que o Bitcoin vai “salvar o mundo” ou que todo movimento de preço esteja ligado a alguma teoria conspiratória. Mas sim que ele reage de forma cada vez mais sensível ao ambiente macroeconômico, se tornando uma espécie de reflexo instantâneo do que está acontecendo nos bastidores do sistema monetário.
Ao bater os 123 mil dólares e agora operar em torno dos 116 mil, o Bitcoin vem mostrando força mesmo com oscilações. Mais do que um ativo volátil, ele já começa a se comportar como uma commodity global, ao mesmo tempo em que carrega características de reserva de valor, tecnologia e ativo financeiro. Uma mistura difícil de rotular, mas que ajuda a entender seu papel singular nos mercados.
Por trás desse movimento, existem vetores que vão muito além de ETFs ou fluxo de traders. O que está puxando esse comportamento é, principalmente, a expansão da liquidez por parte dos grandes bancos centrais. E não só do Fed.
China, Fed e a engrenagem da liquidez global
A China, por exemplo, tem aumentado seu M2 — que, apesar de ser um indicador limitado, ainda nos dá uma boa noção da base monetária do país. A emissão recente de quase 1 trilhão de dólares equivale a um empurrão na liquidez global. Isso acontece enquanto o governo chinês tenta frear uma tendência deflacionária, estimular sua economia interna e manter a máquina funcionando. Essa injeção de liquidez acaba reverberando pelo mundo e, direta ou indiretamente, chega até os mercados de criptoativos.
Nos Estados Unidos, a história é parecida. Apesar de o Fed ainda manter seu programa de aperto quantitativo (QT), há sinais de que o ritmo está diminuindo.
O rendimento dos títulos de 10 anos, que chegou a preocupar, hoje está mais estável.
Essa estabilidade, por mais que pareça técnica, tem um impacto enorme: ela permite que os títulos do Tesouro dos EUA sejam utilizados com mais confiança como colateral para geração de crédito no sistema eurodólar. Ou seja, permite mais liquidez.
E quando há mais liquidez, o Bitcoin tende a se beneficiar. Isso não é uma correlação exata, mas o padrão se repete com frequência. Michael Howell, da CrossBorder Capital, já falou sobre isso: o Bitcoin age como uma esponja da liquidez global. E o curioso é que esse comportamento acontece de forma agregada, captando diversos sinais ao mesmo tempo.
É por isso que, apesar da volatilidade de curto prazo, o Bitcoin virou o primeiro ativo que eu olho no celular para entender o humor dos mercados. Ele resume pressões opostas. De um lado, temos a China e os estímulos. De outro, o Fed ainda reduzindo seu balanço. Ao mesmo tempo, o Tesouro americano precisa continuar emitindo dívida para preencher a conta do TGA, o que drena liquidez. São forças que puxam em direções diferentes e, quando agregadas, se refletem no preço do Bitcoin.
Um reflexo instantâneo da fragilidade estrutural
O Japão entra nessa equação também. O Banco do Japão, que vinha tentando sair do controle artificial da curva de juros, voltou a atuar com mais força, sinalizando que ainda não sabe muito bem o que fazer diante das pressões inflacionárias e da fragilidade da dívida. Ele também não tem sido exatamente um aliado do Bitcoin nesse cenário. Mas se, em algum momento, o Japão e o Fed decidirem reverter o aperto quantitativo, o impulso de liquidez global pode ser ainda mais forte.
Claro que existem fatores pontuais. Movimentos de grandes investidores, vendas de curto prazo, ETFs e rumores específicos sempre terão impacto. Mas o que se destaca é a função do Bitcoin como indicador composto. Ele junta sinais diversos — China, Fed, Tesouro, Japão — e nos dá um retrato mais fiel do que está acontecendo com o sistema monetário global.
Em vez de tentar adivinhar para onde vai o preço, talvez a pergunta mais útil agora seja: por que o preço está onde está? E o que ele está sinalizando?
A resposta pode estar menos ligada a uma aposta e mais conectada à própria engrenagem da liquidez mundial. Se o Bitcoin hoje está forte, é porque a liquidez ainda está circulando. E se ele fraquejar, talvez seja um sinal precoce de que os estímulos começaram a secar. Nesse sentido, o Bitcoin já deixou de ser só um ativo. Ele virou um alerta.
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